Um tempinho atrás, nas minhas perambulações pela internet, descobri um álbum de música experimental que me cativou muito por criar uma sensação de nostalgia misturada com o afago que um chá quente nos dá em dias frios e melancólicos. O engraçado é que, embora eu sentisse que esse álbum era perfeitinho pra mim, não era um álbum, originalmente e em essência, feito para mim. Nem para mim, nem para você, nem para os nossos amigos, nem mesmo para cachorros, gatos, baleias, cogumelos ou abelhas.
Era um álbum feito especialmente para as plantas!
Mother Earth's Plantasia é o nome do digníssimo.
E só fiquei sabendo da pretensão de Mother Earth's Plantasia quando fui pesquisar mais sobre o álbum. BUM! Fiquei eufórica! Meu Deus, um álbum feito para as plantinhas. Genial. As plantas ouvindo músicas feitas para elas. A propagação de melodias chegando diretamente para causar sensações nas plantas. Uau! Vou colocar agora para as minhas plantinhas ouvirem. Certamente vão ficar felizes.
Elas ficaram felizes e eu também. Humana e plantas contemplando um álbum delicinha de ouvir. Nas minhas viagens também sinto que estou no mundo das plantas (Plantasia) com uma atmosfera de videogames dos anos 90. Se você ouvir, talvez também sinta uma vibe bem Nintendo e Mega Drive. Inclusive acho que a galera que compôs as músicas desses joguinhos se inspirou nesse álbum.
Mother Earth's Plantasia foi concebido por Mort Garson em 1976. Não alcançou grande popularidade na época de seu lançamento, mas tornou-se uma referência por ser um dos primeiros trabalhos de música eletrônica, usando um sintetizador Moog.
Pensar no ímpeto criativo excêntrico e fora a curva de Mort Garson me fez refletir sobre as nossas experiências estarem amarradas e imersas em uma bolha antropocênica, onde a tendência humana é sempre criar pensando no próprio umbigo sapiens.
Nos distanciamos do mundo natural, como se houvesse uma separação entre “nós” e o resto da natureza, até mesmo, no sentido de uma maiores formas de subversão ao sistema, que é a arte.
A racionalidade e a cognição são vistas como licença para a supremacia. Criamos entre nós, por nós, para nós porque não há sentido pensar além da nossa linguagem e alcançar um propósito além da nossa perspectiva humana.
“Tudo está emaranhado, não existem hierarquias: nada ‘superior’ ou ‘inferior’, ninguém mais nem menos evoluído. Os humanos não estão no centro do universo.”
James Bridle
Uai, agora sou supremacista por não fazer arte para as plantas, animais, rochas e fungos? Não, mas criar um álbum de músicas feito, especialmente, para plantas como Mother Earth's Plantasia, não dita, necessariamente, que as plantas irão ouvir e desfrutar da música como nós, mas de certa forma é uma ode a escuta que não acontece só pelos nossos ouvidos, uma ode a vida e a importância dos seres sencientes, não como seres utilitários à vida dos humanos, mas seres com um utilitarismo e sentido próprio.
“Enquanto isso — enquanto seu lobo não vem —, fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza.”
Ailton Krenak
Reconhecer a mesma potência que vemos em nós e fomentar uma alteridade com a linguagem incompreensível dos outros seres são caminhos dignos para compartilhar o mundo e almejar um futuro decente. O sentido de coletividade transcende o território das espécies.
Não sabemos o que ouvem ou o que dizem as plantas, mas a sua escuta e o seu dizer podem ser respeitados, mesmo que inexistentes ou inalcançáveis à nossa percepção.
Desfrute deste poema:
Elas não se moverão por medo do vento.
Elas não se moverão por medo do som.
Elas se moverão quando crescerem.
Apenas a brisa que vem do nada,
apenas o pássaro que pousou nos ramos,
apenas o cachorro que passa latindo,
apenas o homem que passa andando,
apenas a borboleta que pousa na folha,
e elas se moverão,
balançando um pouco,
como se dissessem: não somos surdas.
E, no entanto, quem sabe o que elas ouvem
no silêncio que envolve a cada uma?
Quem sabe que imagens lhes chegam
ao perderem as folhas, uma a uma,
ao surgirem novos rebentos,
ao se curvarem sob o peso das pétalas?
Quem pode decifrar seus sonhos
ou adivinhar o que significam
as mãos que às vezes se aproximam
para acariciar seu caule?
Talvez elas entendam tudo,
mas não dizem nada,
não emitem um único som
enquanto vivem e crescem.
Como se a verdade estivesse em algum lugar,
mas não aqui,
como se fossem as guardiãs
de um silêncio que não é o nosso
Achei esse poema na internet, mas não tinha referência de quem escreveu. Por favor, se souberem, me mandem que irei creditar. Achei lindíssimo e tudo a ver com o que escrevi nos últimos parágrafos.
Obs: como iniciante nesta plataforma, eu ainda não sei como configurar para manter o poema com a formatação original, mas ainda irei aprender!
“Ler poesia não vai salvar o planeta. Mas a arte nos permite vislumbrar seres que existem para além ou entre nossas categorias normais.”
Timothy Morton
Fontes: vozes da minha cabeça, internet e esse texto massa aqui.
Chegou a hora da…
CURADORIA CÓSMICA
(Uma seleção de referências que me tocaram e espero que desperte algo em você também)
Sabia que foi uma mulher que ilustrou o deck de Tarô mais famoso do mundo?
conta sobre o processo criativo e a vida da artista Pamela Colman no incrível episódio O Tarô de Pamela do seu podcast Bobagens ImperdíveisComo criar um mapa mental visual para fazer brainstorming, assimilar conteúdos, sistematizar histórias, tomar notas, etc?
O escritor e artista
nos conta como fazer isso nesse vídeo.Eu mesma já fiz, faço e recomendo. Acredito ser um processo eficiente para desembaraçar, revelar e criar ideias.
O que estou tentando fazer quando faço um mapa mental: Estou tentando construir um palácio de memórias em 2D no papel. Ao fazer anotações de maneira não linear, ao arranjar imagens e palavras no espaço, posso VER conexões que de outra forma seriam impossíveis apenas com palavras escritas em sequência.
Austin Kleon
Antídoto onírico: Livro sobre sonhos Yanomami mostra que a escuta das vozes dos povos originários é um ensinamento político
Em contraste dos brancos que reservam os sonhos ao cuidado restrito e sigiloso dos psicanalistas, os Yanomami entendem que um sonho só se completa quando é contado, partilhado socialmente, às vezes contado de viva voz no meio da aldeia. Ao colocar o sonho “na roda” e ao relacioná-lo com problemas concretos da comunidade, cria-se uma espécie de jogo em que a mesma situação se apresenta em outras perspectivas, sugerindo assim novas soluções.
Christian Dunker
Tirei essa citação do Texto escrito pelo psicanalista Christian Dunker, para a revista Quatro cinco um, sobre o livro O desejo dos outros: uma etnografia dos sonhos Yanomami de Hanna Limulja
Um livro que já está na minha lista de leitura. Parece ser incrível! Aproveito também para indicar o documentário belíssimo A Última Floresta, que conta sobre as experiências e tradições dos Yanomamis e sua luta pela a existência em um país que é pura distopia para os povos originários.
GINÁSTICA IMAGINATIVA ORACULAR
A ideia é sempre trazer nas edições da newsletter uma provocação sobre Tarô e Escrita. Aguardem!
Enquanto isso convido vocês a participarem do grupo que criei Escritarô: Tarô e Escrita Criativa.
A premissa é escrever sobre as histórias que os arcanos do Tarô querem nos contar.
Bora?
Um beijo e até a próxima!
Uso o instagram para compartilhar um pouco das minhas narrativas: meu trabalho como roteirista e escritora, minhas artes, paisagens, pessoas, plantas, animais, livros, filmes, memes, divagações, (des) processos, desabafos e aleatoriedades de uma mente geminiana. Fique a vontade para me seguir por lá também.